Os sectores estratégicos<br>da nossa economia

José Lourenço (Membro do Secretariado
da Comissão dos Assuntos Económicos
junto do Comité Central)

A Constituição da República Portuguesa (CRP) estabelece no n.º 3 do seu artigo 86.º: «a lei pode definir sectores básicos nos quais seja vedada a actividade às empresas privadas e a outras entidades da mesma natureza».

Essa definição de sectores básicos passou a partir da 3.ª revisão constitucional de 1992 a ser uma simples faculdade, que os sucessivos governos nunca sentiram necessidade de utilizar.

A lei da delimitação dos sectores aprovada em 1977, tendo definido as actividades e os sectores básicos da nossa economia, fê-lo não para que eles fossem defendidos, mas para a partir daí se iniciar um longo ataque às nacionalizações, que culminaria em 1990 com a aprovação da lei-quadro das privatizações no seguimento da 2.ª revisão constitucional.

O conceito de sectores básicos da economia foi sendo esvaziado ao longo dos anos 80, à medida que o processo contra-revolucionário foi avançando.

No interesse da reconstituição e restauração dos grupos monopolistas nacionais, liquidados pelo 25 de Abril e pelas nacionalizações, não era de esperar outra coisa.

Desde 1989 iniciou-se um longo período de privatizações que permitiram ao Estado arrecadar de receitas, a preços correntes, cerca de 40 mil milhões de euros, 21 por cento do PIB de 2016.

As sucessivas privatizações fizeram com que os interesses privados nacionais ou estrangeiros sejam hoje dominantes e os interesses estratégicos dos portugueses estejam hoje nas suas mãos: da banca aos seguros, ao sector energético, às telecomunicações, ao sector dos cimentos, ao sector químico, ao sector siderúrgico, ao sector dos transportes públicos rodoviários e ao sector dos transportes aéreos.

As privatizações foram e são uma das pedras angulares da política de direita que tem presidido às práticas políticas de sucessivos governos do PS, PSD e CDS/PP nas últimas décadas, sempre acompanhadas pela liberalização dos mercados e a desregulamentação dos mecanismos de orientação e direcção económica.

A aplicação de todas estas políticas conduziu o País ao triste estado em que se encontra hoje: um país mais desigual, injusto e dependente.

Um país que em nome da sua competitividade fiscal reduziu a tributação dos grandes grupos económicos e não tributa as grandes fortunas, mas sobrecarregou a carga fiscal sobre os trabalhadores e as suas famílias.

Nas últimas décadas fruto da adesão à CEE, da liberalização da circulação de capitais, das privatizações, da adesão ao euro, grande parte do nosso aparelho produtivo foi desmantelado e a nossa dependência do exterior atingiu níveis nunca vistos.

Em contrapartida os grandes grupos económicos que resultaram do processo de privatizações e que estão no PSI 20 arrecadaram de lucros líquidos, entre 2004 e 2012, cerca de 44 000 milhões de euros, ou seja a preços correntes em nove anos deram de lucros aos seus novos donos mais do que renderam ao Estado com a sua privatização.

O Sector Empresarial do Estado

A recuperação do controlo público dos sectores estratégicos da economia é um eixo fundamental da política patriótica e de esquerda de que o País precisa e que o PCP propõe.

Seja por nacionalizações, seja por acordos, ou outro tipo de medidas de intervenção do Estado, é tarefa de um governo patriótico e de esquerda romper com o poder dos monopólios e abrir caminho à recuperação para as mãos do povo português dos sectores estratégicos. Uma opção que se articula naturalmente com a exigência da renegociação da dívida nos seus prazos, juros e montantes e a preparação do País para a libertação do euro; com a continuação da recuperação dos salários, pensões e rendimentos que foram roubados pelo anterior governo; com a defesa e promoção da produção nacional; com a tributação efectiva do grande capital e uma reforma fiscal que alivie os trabalhadores e as PME; com a valorização dos serviços públicos e as funções sociais do Estado; com a afirmação da soberania nacional, designadamente perante a União Europeia e as grandes potências.

Quarenta e dois anos depois do 25 de Abril a situação exige um Sector Empresarial do Estado forte e dinâmico, ao serviço da democracia e do desenvolvimento, factor imprescindível para responder aos problemas do País, manter em mãos nacionais alavancas económicas decisivas, promover uma política de emprego e a elevação das condições de vida. Um Sector Público com uma dimensão e peso determinantes nos sectores básicos da economia nacional.

O comando político e democrático do processo de desenvolvimento, organização e funcionamento da economia e da vida social constitucionalmente atribuído ao Estado exige para ser cumprido a defesa e reforço do Sector Empresarial do Estado.

Quarenta e dois anos depois do 25 de Abril reafirmamos que a indispensável ruptura e mudança na vida nacional é tão mais realizável quanto mais expressivo for o desenvolvimento da luta de massas e mais largamente se afirmar a frente de oposição à política de direita. Uma mudança que está nas mãos dos trabalhadores e do povo construir contando, como sempre contaram, com a intervenção do PCP na defesa dos seus direitos e por um Portugal mais justo, próspero e soberano.




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